segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Pássaros

Marcel estava observando seus papéis sob aquela luz amarelada que entrava pela janela de seu gabinete. Parecia cansado. Passou uma das mãos no curto e bagunçado cabelo, e bufou. Olhando para a janela, deixou seus pensamentos fluírem e depois voltou a si. Levantou-se da cadeira de madeira-do-campo e saiu do quarto em busca de um copo d'água. Voltou com as mãos vazias e procurou por seu relógio de mesa, atrás dos papéis. Após retirar duas ou três folhas dali, viu que o relógio marcava quinze para as seis da tarde.
Como se estivesse atrasado para algo, arrancou a máquina de escrever de cima da mesa, levando junto os papéis que encima dela repousavam. Enfiou-a de baixo do braço e saiu da casa batendo a porta atrás de si.

Andou até um parque. Os pássaros, aprumando-se entre as árvores naquele entardecer fresco e colorido, se perguntavam o que aquele homem, aparentemente cansado, fazia, sentado na grama com uma máquina de escrever a sua frente.
Foi então que Marcel, após alguns segundos com o dedo indicador sob o queixo, refletindo, resolveu começar a escrever. Digitou algumas poucas teclas, cujo som se misturava aos piados e bater de asas e folhas das árvores ao seu redor.

"Pássaros" murmurou ele para si. Era isso que havia escrito até agora. Pássaros. Uma única palavra, seguida do silencioso tom branco daquela folha presa à máquina de escrever.
O tempo ficara mais frio. O céu, cada vez mais escuro, começava a mostrar algumas estrelas, dispostas como as pérolas de um colar arrebentado. Marcel as encarou por alguns instantes...

Deitou-se na grama e deu um longo suspiro, fechando os olhos e relaxando o corpo.
Então uma borboleta veio voando suavemente até bem perto de seu rosto e, depois de circular um pouco, pousou em seu nariz. Ele não sentiu. Não sentiu, pois já estava em outro lugar. Seu corpo continuava ali, mas Marcel caminhava para dentro de um sonho. Um sonho que parecia amplo e agradável.

Olhava para um ponto fixo a sua frente, entre o chão e o teto, com um olhar relaxado. Não sabia dizer se o que olhava era uma parede, ou se era o vazio, algo como o infinito.
Ele estava entre duas paredes. Era um longo corredor, com uma janela em algum ponto, por onde entrava uma luz calma e alaranjada. Por algum motivo, Marcel andava em direção a ela. Passava por tapetes com belos padrões de vermelho e dourado. Detalhes em azul real, mas nada muito chamativo. A janela se aproximara.
Antes de tocar a luz que entrava pela janela, Marcel parou. Moveu um pouco sua cabeça para o lado, levando seus olhos até a janela, com esperanças de ver o que emitia aquela luz tão agradável. Deu mais um passo e, sendo envolto por aquela luminosidade alaranjada, olhou para fora.

Seus olhos ficaram petrificados e uma expressão de pânico tomou conta de seu rosto suave.


O que Marcel vira, não era algo agradável como aquela luz, não era algo suave ou calmo, tampouco confortador. A janela mostrou a Marcel que ele estava em algum lugar muito alto. Alto o suficiente para ver todas as casas de seu bairro e mais algumas dos bairros vizinhos. Seus olhos começavam a se mover, lágrimas saltaram para suas bochechas e sua boca se apertou.

Marcel via quase toda a cidade por aquela janela. E a janela lhe mostrou fogo, caos e destruição. Tudo o que ele via ou já havia visto, agora estava em chamas. Mas Marcel viu mais do que a cidade... Viu suas memórias, suas lembranças e seus planos, sendo destruídos. Consumidos pelo fogo.
Ele desabou, sentando-se no chão como um boneco de pano jogado por uma criança descuidada. Mas a janela continuava à sua frente. Ela o acompanhou até onde estava, e mesmo sentado, ele continuava a ver aquilo.
Um corvo surgiu lá fora, do outro lado da janela, e fitou o rosto de Marcel com seus olhos vermelhos. O brilho escarlate daqueles olhos fez com que Marcel encolhesse seus braços sobre o peito e gemesse. Gemeu por um sentimento misto de ódio e culpa, infelicidade e desdém.

De repente, acordou, ainda no parque. O sol estava nascendo e ele percebeu que passara toda a noite ali. Levantou-se e pegou sua máquina de escrever. Notou que seu papel, onde havia escrito "pássaros", não estava mais lá. Deu de ombros e seguiu para casa.
Antes de entrar, notou que um corvo grasnava sobre um dos galhos do salgueiro na frente de sua casa.
Fechou a porta, subiu alguns degraus até seu quarto, chegou à porta do mesmo e, para sua surpresa, seu quarto não estava lá. Em seu lugar, estava um corredor. Mas não um corredor qualquer, aquele corredor, onde uma calma luz reinava.