terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Chuva Cinzenta

A velha mendiga estava agarrada a uma metade de pão suja que havia encontrado na sarjeta há alguns instantes. Suas mãos, enegrecidas pela imundice das ruas, o seguravam tão firmemente que mesmo um pão duro como aquele, se enrrugava entre seus dedos. Ela abriu sua pequena e murcha boca desdentada e, enquanto fitava o pão esbugalhando seus olhos gelatinosos, o abocanhou ligeiramente, como um cão faminto abocanha um suculento bife morno.

Caía uma fina garoa e os carros passavam rapidamente nas ruas. Um homem, razoavelmente bem vestido, passava apressado pela calçada, segurando seu chapéu, para mantê-lo na cabeça, e forçando os olhos para tentar enxergar através de seus óculos embaçados. A calçada estava quase vazia, mas era o suficiente para que ele pudesse se esbarrar com vários ombros durante o trajeto. Aquela era uma típica rua de comércio inglesa, com diversos restaurantes, bistrôs, antiqüários e floriculturas. E era numa destas lojas de flores que ele pretendia entrar. Continuava andando apressado e se esbarrando, até que enfiou o pé numa poça d'água acinzentada, molhando seu sapato de couro negro e meia perna de suas calças. -Inferno! - exclamou ele após ter dado uma pequena pausa em seu ritmo para avaliar a situação. -Ah! Tanto faz, já estou quase todo molhado mesmo... - pensou, conformado e enraivecido.

A chuva aumentara, os esbarrões agora haviam diminuído e o roçar de grarda-chuvas há milímetros de seus olhos faziam com que ele se mantivesse numa mesma linha, como um trem nos trilhos, para que não acabasse por se cegar. Uma clareira entre os guarda-chuvas apareceu alguns passos a frente e ele foi até ela, sentindo-se aliviado, parou com as mãos ajeitando o paletó e olhou para cima, admirando a estrutura de um velho e baixo prédio. Enfim havia chegado ao seu destino, a Floricultura Makiavel. Um garoto apressado vinha com sua bicicleta a toda velocidade, abrindo caminho entre os pedestres que, agora, lotavam a calçada. Passou tilintando na frente de James (o nosso protagonista), obrigando-o a dar um passo rápido para trás. Nisso, James empurrou algo com as costas. Era a velha mendiga, que agora dormia em pé, escorada no poste à frente da floricultura. James olhou para ela com um olhar assustado e partiu em direção à porta da floricultura. Pôs seus dois pés para dentro e suspirou aliviado por, enfim, ter se abrigado da chuva.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Poema Perdido

Às sombras eu irei,
Nas trevas viverei
Suas vidas de mim dependem
Seus sonhos não os defendem
Nossas forças quando unidas,
Não poderão ser destruidas

A Guerra chegará
E mais um reino cairá
Meus guerreiros sombrios derramarão
Sangue com ira,
Em gratidão
À vida eterna que lhes dei
Em troca da sede que saciei.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Trevas

O lugar estava escuro e as paredes se tornaram praticamente invisíveis. O chão e o teto se fundiam na escuridão sem fim. Comecei a andar, vagaroso e apreensivo, naquela maciez sombria. Podia sentir o ar envolta de mim, tocando cada parte do meu corpo, dei mais um passo para frente, me senti pressionado por algo que eu não conhecia, meus ombros se encolheram perto do pescoço, talvez pela ponta de medo que eu sentira repentinamente. Meu corpo estremeceu e meus olhos se arregalaram, em busca de uma rota de fuga, mas não havia nada para ser visto e, provavelmente, era um lugar fechado. Me parecia um corredor... Encostei na parede mais próxima e deslizei com minhas costas por ela até chegar à outra. Meus sentidos estavam aguçados como jamais haviam estado. Eu começara a enxergar as coisas. Então corri, não fazia idéia de pra onde estava indo, apenas deixei minhas pernas me guiarem e estendi os braços na frente do meu corpo para, eventualmente, me proteger de possíveis colisões. Virei à esquerda rapidamente, dei mais alguns passos rápidos e então parei. Estava ofegante e continuava sem saber onde estava. A pressão estranha sobre mim parecia ter ficado para trás. Apoiei minhas mãos nos joelhos e tentei regular minha respiração. Inútil. Me sentei no chão e apoiei minha cabeça na parede, fechei meus olhos e respirei fundo. Tudo estava tão calmo agora...

sábado, 8 de novembro de 2008

Marionetes de rua...

Um pequeno boneco! - exclamou o mais alto dos dois ao menino, que com seus grandes e fascinados olhos, observara atentamente o brinquedo durante toda a performance. O homem mais baixo se aproximou e, com um suave gesto, acariciou os macios e curtos fios de cabelo do menino, que agora olhava quase como se estivesse hipnotizado por sua cartola multicolorida apoiada levemente sobre uma de suas grandes orelhas. O homem sorriu com sua pequena boca, empurrando seu lábio inferior com os grandes e angulosos dentes que mantivera guardados durante todo o tempo do espetáculo. O mais alto franziu a testa de modo carinhoso, notando a expressão de quase-pânico do garoto ao deparar-se com tão grandes dentes. Estendeu-lhe a mão, que portava uma velha luva sem dedos e o garoto a recolheu timidamente para um de seus bolsos, abaixando a cabeça e se afastando, calma, porém alegremente, enquanto alisava o bolso cheio, com satisfação.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Apenas um fragmento...

Quanto a isso, ele não se preocupava. Suas pernas, doloridas como sempre, estavam agora confortavelmente dobradas sob uma cadeira, seus ombros estavam arqueados sobre a mesa enquanto seus braços serviam de apoio para a pesada cabeça. Sua face atenta tinha dois olhos quase secos, que fitavam o vazio da mesa e sua boca pendia entreaberta. Eu não sabia como reagir, estava ali, observando-o sem mexer um músculo, me escondia atrás da minha negra cortina capilar enquanto fingia prestar atenção ao professor, que falava entusiasmado sobre algo relacionado a eletricidade, ziguezagueando entre as carteiras enquanto passeava pela sala.
Fiquei pensando em sair dali, mas por algum motivo, meu corpo não se movia. Talvez fosse o frio. Nevava lá fora e eu podia sentir a corrente gélida de ar passar pela minha nuca como uma lâmina.

Olhei mais atenta para fora e pude ver a neve cobrindo a copa das árvores, formando lisos e belos padrões. Por um canto da janela, pude ver o capô de meu carro coberto por uma camada espessa de neve. "Droga! Agora terei que tirar toda essa porcaria daí antes de entrar no carro, e vou me molhar..." pensei choramingando. Eu detestava ficar molhada, principalmente em dias frios. Coisa que não era incomum naquela cidade chuvosa, vazia e cinzenta, onde eu estava morando, contra a vontade, agora.